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Psiquiatra sugere jejum de “gatilhos” de prazer, como redes sociais

A dopamina, um neurotransmissor central, foi identificada em 1957, mas uma das descobertas mais surpreendentes da neurociência do século 20 ainda é negligenciada por muitos. O cérebro processa tanto o prazer quanto o sofrimento no mesmo local. Essa é a premissa com a qual a psiquiatra Anna Lembke, da Universidade Stanford, inicia seu livro “Nação Dopamina”, lançado este ano.

Em uma entrevista ao Estadão, Anna explica que a busca incessante pela satisfação plena muitas vezes resulta em frustração. Isso ocorre porque o cérebro, ávido por recompensas, pode entrar em um ciclo vicioso de compulsão.

Anna aponta que a pandemia da COVID-19 acelerou uma tendência já existente em relação ao consumo compulsivo, caracterizando os smartphones como fornecedores de “dopamina digital” para uma geração conectada.

A especialista analisa a neurociência da recompensa em um mundo de excessos, que inclui redes sociais, jogos, substâncias, alimentos, notícias, compras, jogos de azar e pornografia – todos categorizados como “estímulos altamente compensatórios”. Para combater essa compulsão, Anna sugere a ideia de um “jejum de dopamina”. A seguir, alguns trechos da entrevista:

Por que abordar esse tema?

Anna começou a escrever seu livro vários anos antes da pandemia e o concluiu em 2020. Ela inicialmente presumiu que a COVID-19 diminuiria o interesse por tópicos não relacionados à pandemia, mas se mostrou equivocada. Na verdade, a pandemia intensificou a tendência preexistente de consumo compulsivo. Ela argumenta que grande parte do sofrimento moderno deriva da superabundância, pois nossa biologia evoluiu para buscar prazer e evitar dor em um ambiente de escassez, tornando-se mal adaptada ao mundo atual de prazeres facilmente acessíveis.

Por que nos tornamos viciados em “gatilhos” de prazer?

Recebemos doses de dopamina não apenas quando consumimos a “droga” em si, mas também quando somos lembrados dela, como passar por um bar onde costumamos beber, receber notificações sobre novas séries na Netflix ou alertas de mensagens. Até pensar na nossa “droga” de escolha pode liberar dopamina.

Como a digitalização e o consumo contribuem para isso?

Anna aponta que as “drogas digitais” estão em todos os lugares, tornando difícil evitar a exposição. Devido à vida moderna, somos praticamente forçados a interagir com dispositivos e a internet, tornando a abstinência quase impossível.

Como essa situação piorou em relação a algumas décadas atrás?

Nos últimos 30 anos, a situação piorou progressivamente. Grupos demográficos que antes eram menos vulneráveis ao vício, como idosos e mulheres, agora demonstram sinais de dependência, inclusive em relação a drogas que antes não existiam, como mídias sociais, videogames e criptomoedas. Além disso, as doenças relacionadas a fatores de risco modificáveis, como tabagismo, dieta inadequada e falta de exercício, contribuem para 70% das mortes globais. Pela primeira vez, há mais pessoas obesas do que abaixo do peso.

Quais são os riscos desse desejo constante por dopamina?

Os riscos incluem o vício em si, bem como os problemas sociais e de saúde que o acompanham. Além disso, podem surgir problemas mais sutis, como aumento da depressão, ansiedade, irritabilidade, insônia e preocupação constante com a “droga” de escolha.

A humanidade está enfrentando um aumento na depressão? Se sim, por quê?

Tendências epidemiológicas indicam que as taxas de depressão e suicídio estão em ascensão, especialmente em países desenvolvidos. Agora que temos acesso a tudo o que sempre desejamos e mais, e disponibilidade de tempo e renda para persegui-lo, estamos nos excitando até a exaustão.

Quais são os sinais de que o consumo excessivo de “dopamina” está prejudicando as pessoas?

Sinais incluem o uso compulsivo e fora de controle, mentir sobre o consumo, comportamento incongruente com os próprios valores, aumento da depressão e ansiedade. Anna sugere começar com um “jejum de dopamina” de 30 dias com relação à “droga” de escolha, como forma de redefinir os circuitos de recompensa e escapar do ciclo da compulsão. Se alguém não conseguir se abster por 30 dias ou voltar a consumir compulsivamente imediatamente após esse período, pode ser necessário procurar ajuda médica.

Essas informações foram obtidas a partir do jornal “O Estado de S. Paulo.”

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